O mercado financeiro como um todo peca. É bem comum que quem trabalha nessa área encare a venda – pior, muitas vezes até acredite – como um campo orientado pela matemática, planilhas duras, certo vs errado.
Mas é só molhar o pezinho pra entender que o centro das questões realmente importantes deste universo mora no aspecto comportamental, e no fato de que somos pessoas únicas e cheias de questões particulares e abstratas.
Por exemplo, atendendo pequenos negócios, vejo que tem gente que leva numa boa a lógica de como organizar as finanças pessoais. Aprendeu com uma certa tranquilidade que precisa gastar menos do que ganha, poupa um tanto razoável, e isso flui bem. Mas na hora que a gente migra para as finanças do negócio, onde tudo oscila muito mais, a coisa desanda. É como se faltasse visibilidade.
É o caso de uma cliente minha.
Ela tem um negócio que anualmente fatura na casa dos milhões, trabalha com muitos fornecedores, entende a importância de manter as finanças organizadas, mas ainda não encontrou uma ferramenta de controle que a ajude. Já experimentou diversos sistemas, mas nada funcionou. Planilhas? Já baixou um monte, mas nenhuma trazia as informações que ela buscava. Eu trouxe um modelo de planilha bem simples, logo que começamos a consultoria. Também não rolou.
E não me entenda mal. É uma cliente inteligentíssima. O que ela consegue fazer ali no negócio dela, eu certamente não conseguiria. Ela tem uma capacidade criativa e de gestão de pessoas admirável. Em nossos encontros, ao discutirmos caminhos possíveis para o aumento da margem de contribuição, melhoras nas negociações com fornecedores, e uma série de outros fatores, vejo que uma boa parte das soluções encontradas partem dela. Ali, ao seu lado, sou uma interlocutora que a ajuda a desenvolver o raciocínio, sempre propondo um cuidado extra quando o assunto é grana. Inclusive, é o tipo de cliente que me desafia e me ajuda a crescer.
Normalmente, eu estou acostumada a ocupar um outro papel, o de tradutora. Uma pessoa que explica dinheiro de uma forma simples sempre foi um dos meus elogios favoritos, mas tenho percebido um prazer ainda mais especial ao sair desse lugar de quem ensina, para ocupar o lugar de quem agrega. Envolve abrir mão de um tanto do meu ego. Seguindo essa linha nem tudo é do meu jeito. A escuta da forma como o outro pensa se tornou um dos meus maiores nortes.
Foi assim com essa cliente que mencionei. Foi só na tentativa mais recente de construção de ferramenta de controle que chegamos a algo que pareceu ganhar o coração e interesse dela . Fui para o nosso encontro sem nada preparado, mas com ouvidos atentos e uma longa bagagem de outras soluções que já deram certo em outros contextos.
Elaboramos (e aqui cabe o plural, porque realmente foi um trabalho feito a quatro mãos) uma ferramenta de controle no Excel bem diferente de tudo que eu já tinha desenhado antes. Fizemos uma mistura do método dos quadrantes (sugerido pelo Eduardo Amuri em seu livro Dinheiro Sem Medo), onde ela consegue ter uma visão clara semana a semana, com um fluxo de caixa padrão, onde ela interpreta o mês a mês. E não se engane, a planilha é bem arcaica, nada imponente, e cumpre super bem o seu papel.
Conseguimos estruturar o tratamento de dados de forma que ela consegue interpretar o resultado de cada trabalho oferecido, mas também da união deles, que se traduz na saúde financeira da empresa como um todo. Fizemos ainda algumas adaptações para que, caso ela se perca no lançamento das informações do extrato em algum momento, volte a ter informações confiáveis em um intervalo menor do que 30 dias.
Tem planilha? Tem. Mas é a DELA. Esta tem disposição e formas de apresentar a informação de um jeito que aquela cliente entende. Mais que isso, é desenhado para a empresa dela. Para o momento dela. É a ferramenta que se adaptou à cliente e não o contrário. E isso você não encontra pronto para baixar por aí. Inclusive, é muitíssimo provável que, para outros contextos, esta seja só mais uma planilha meio-ruim, como uma série de outras. Mas para essa cliente não. Para ela, que antes precisou tomar tantas decisões baseadas somente no feeling, esse material é um elemento que irá agregar efetivamente em sua tomada de decisão. É algo que ela entende e consegue utilizar.
Inventar a partir da visão do outro significa me tirar do centro. Essa postura é riquíssima dentro do processo de consultoria. Tende a provocar no cliente uma apropriação do que está sendo construído de uma forma muito mais efetiva e duradoura do que simplesmente chegar com respostas prontas e decoradas. E sabe de uma coisa? Eu acho isso bonito demais.