Toda sexta-feira a minha rotina era igual. No caminho de volta da escola para casa, era certo que eu passaria na locadora mais próxima de onde eu morava para me demorar escolhendo qual filme iria ver no fim de semana. E minha felicidade não estava apenas na expectativa de assistir a um novo filme, mas também no próprio tempo que eu gastava na locadora.
Aquele ambiente sempre me proporcionou um prazer imenso, uma mistura de sensação de descanso com a curiosidade por conhecer algo diferente. Se eu pudesse, passaria horas deslizando os dedos pelas prateleiras, sacando cada filme para ler a sinopse e perguntando ao atendente se ele já tinha assistido para me dar uma opinião.
Foi naquele tempo que eu vi filmes como Peixe Grande, Sobre Meninos e Lobos, O Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, Panteras e Diário de uma Princesa (eclética, não?).
A experiência era tão gostosa que por muitas vezes fantasiei sobre trabalhar com isso. Pensa que delícia: eu poderia ver o filme que quisesse, estaria sempre por dentro dos lançamentos mais recentes, iria precisar saber muito de filmes para poder fazer indicações quando o cliente pedisse ajuda, e isso seria uma razão super forte para eu assistir a filmes e mais filmes.
Estão me achando maluca? Pois atire a primeira pedra quem nunca se imaginou sendo protagonista de uma história de amor com o próprio trabalho.
De toda forma, não cheguei a ter a oportunidade de me arriscar com isso. Quando eu tinha 20 anos, ainda antes de eu ingressar no mercado de trabalho formal, a Blockbuster – maior referência deste ramo – declarou falência. E se a Blockbuster que era o que era não aguentou a pirataria da internet e a posterior chegada dos streamings, imagina a locadora pequenininha ali do meu bairro?
Já vi de perto pessoas embarcarem em sonhos românticos, um pouco como esse que trouxe aqui, e terem suas vidas destroçadas por um conceito de negócio mal pensado.
Hoje, quando destrincho a ideia de ter uma locadora (não em 2025, mas lá nos anos 1990) fico refletindo sobre a vida que aqueles empreendedores deviam ter, e reconheço que provavelmente era muito menos divertida do que a gente consegue enxergar.
Não que fosse ruim, mas ter um negócio não tem absolutamente nada a ver com viver de um hobby. Não é um romance com final feliz, tem mais em comum com um drama realista.
Para ter uma locadora é provável que aqueles donos tivessem que lidar com situações que estão muito distantes do imaginário bonito de quem assiste de fora. Pensa que desafiador é tocar a locadora nas sextas, sábados e domingos o dia inteiro (o que por muitas vezes vi os donos ali fazerem).
Só depois de alguns anos de negócio é que lembro de terem contratado funcionários (ou seriam freelas, não sei) e – hoje – imagino que deviam precisar pagar um bom valor de hora extra para estarem disponíveis nesses que são entendidos como horários nobres.
Penso ainda que eles provavelmente tiveram que levantar uma grana alta para comprar muitos filmes, e alguns deles nem tão bem locados eram, e aí provavelmente precisavam fazer a venda do filme (realizando alguma perda). Imagino também que as avarias não deviam ser poucas. E penso ainda que eles deviam ter uma meta mínima de locações para conseguir pagar o aluguel de uma sala comercial em um bairro nobre de Goiânia. E se não atingissem essa marca, bom… sabendo o que sei hoje, imagino que cair no cheque especial não era algo tão especial assim.
Hoje o meu olhar calejado dificilmente me deixaria mergulhar nesse devaneio descolado da realidade. Acho que posso até passar a impressão de ter virado aquele personagem chato que fica botando defeito em tudo, mas a verdade é só que eu conheci histórias demais.
Em janeiro, atingi a marca de 120 pequenos negócios atendidos. Alguns desses tiveram finais tristes, fechando as portas num contexto de muita frustração e sensação de tempo e dinheiro perdidos, resultado que pode ter infinitas possíveis causas.
Mas confesso que existe uma “categoria de causa do fim” que me dói de um jeito particular, que é aquele encerramento da empresa que não deu certo porque o negócio idealizado simplesmente (não?) teria como existir. O empreendedor imaginou vendas que aconteceriam muito facilmente; ritmos de trabalho muito levinhos do começo ao fim; retiradas para a vida pessoal que tem mais relação com a vida da pessoa do que com as possibilidades do negócio. É como aquele personagem ingênuo de filme que cai numa armadilha boba. Pra mim, é o tipo de erro que pode ser evitado, sabe?
E é aí que pega pra mim, dava pra gente ter evitado…
A gente evita um fim doído (e muitas vezes caro) fazendo conta, projeções, explorando modelagem de negócios, contando com o olhar de profissionais que são mais experientes que nós em alguns aspectos. Conversando com gente que já experimentou esse mercado e ouvindo atentamente aquilo que a pessoa tem pra falar. Abrindo mão da postura arrogante otimista de quem acredita ser melhor que todas as outras pessoas que já passaram por ali antes. Se propondo a olhar de coração e mente abertas para quais são as arestas que precisam ser aparadas e quais expectativas precisam ser alinhadas antes de mergulhar dentro de um sonho sem pé nem cabeça.
Sei que tudo isso pode tirar o glamour da ficção, mas é esse o tipo de postura que abre portas para negócios com vidas tão longas quanto as de filmes clássicos.
Lore a minha versão menina se identifica com a sua, também amava uma locadora de bairro, e depois a Blockbuster, e gastava muito tempo e dinheiro nesse universo, principalmente nas férias escolares.